quinta-feira, 17 de maio de 2012

Túmulo com que falo...

Pé ante pé, caminhando calmamente por uma avenida rodeada por tabuletas, cruzes e dizeres; cabisbaixo, mas olhando tudo em meu redor, sentindo no corpo a brisa fresca que se faz sentir neste final de tarde de Maio ao som da música que vem dos altifalantes que me chega aos ouvidos lá dos lados de Santo Antão e apercebendo-me que estou só, sinto-me no entanto apreciado, mirado, observado, talvez, por alguém que já partiu para sempre, cumprem-se hoje cinco (rápidos) anos. Já devem ter depreendido que estou no cemitério da aldeia, estou só e pela primeira vez realizo que estou mesmo só. O cemitério é meu! Eu, o túmulo de alguém que me era querido, aliás muito querido, rodeado por outros tantos túmulos que pertencem e onde repousam, os restos mortais daqueles que já foram em vida, cidadãos lanhesenses!
É claro que não vou para aqui vociferar orações que ao meu espírito nada dizem, nem tão pouco compreendo. E a ti também pouco diziam! É claro que não acredito na alma enquanto factor que se pode dissociar do corpo; morre o corpo, morre a alma também, mas, o meu subconsciente diz-me que preciso de te falar, preciso de te dizer que estou aqui, mesmo que saiba que tu, nada ouves nem tão pouco nada sentes, daquilo que te digo! Morreste, ficaste aí nesse buraco, mas ao mesmíssimo tempo estou feliz por estar contigo, por estar a ver a tua fotografia, sorridente, feliz naquele momento em que tinhas a teu lado as duas filhas, a neta, a mulher e os genros (talvez os dois, já não me lembro muito bem, desculpa), vestias uma camisola azul-marinho que fui eu que  te ofereci, por cima da camisa, como tantas e tantas vezes te vi vestido e nesse mesmo dia te cantávamos os "parabéns a você"! Era o teu aniversário! Se não me falha a memória foi dos últimos que passaste connosco, senão o último! Se te disser que sinto umas saudades enormes, quando juntos, em tronco-nu, sentindo o calor típico dos dias de Verão, por baixo da frondosa e gigantesca oliveira que ladeia a entrada de trás de tua casa, a casa que tanto te custou construir; passávamos horas a conversar e assávamos embebidos em bagaço uns chouriços, aliás, umas sanguinhas, estas para nós, chouriços para as mulheres e sentíamos o bom que era estar na companhia um do outro, perdidos entre longas conversas...falha minha, a sempre ter sido um péssimo adepto de futebol, por isso nunca discutíamos "bola" e o teu "FC Porto" que tanto amavas; no entanto, falávamos do que era importante...a vida! E como sentia que gostavas de mim...

Depois, muito depois de tantas e tantas boas horas juntos, vieram os primeiros tormentos e começaste a "passear" de carro comigo em direcção ao hospital, o fim avizinhava-se num futuro próximo, mas recordo uma última conversa que tivemos, tu (já algo debilitado), o meu pai e eu, três homens, que em casa de meus pais na Meadela, por baixo da vetusta laranjeira centenária, conversaram sobre a vida e tudo o que de bom ela tem para nos dar...deste-nos uma lição de vida memorável, quando sabias melhor que ninguém que o fim estava próximo...muito próximo...depois...calaste-te para sempre e vieram as lágrimas...

Hoje, estou aqui em frente ao teu túmulo, só, neste "jardim de tabuletas" com o vento a abanar-me a t-shirt e sentindo frio por ter os ombros nus, pois o tempo está a esfriar, mas não me importo, porque olho com carinho a tal fotografia de ti, tirada por mim e, parece que te estou a ver (fisicamente) a sorrir para mim...por isso te falo!
Ouço agora a celebração da Eucaristia, que será presidida pelo pároco em honra de ti, pelos altifalantes da capela de Santo Antão, perdoa-me não ter ido, sabes como abomino as matérias da fé, mas cá fica, para que todos vejam, a minha conversa contigo e as saudades que sinto de ti e isso, nem com mil missas, poderá ser ultrapassado!

Até à eternidade, Tino...até sempre...não vou descrever a última visão que tive de ti vivo, pois é dramática demais e mexe muito com o meu sentir, vou antes lembrar para sempre o sorriso luminoso com que nos brindaste no dia em que era o teu aniversário e tinhas os teus contigo...e o abraço sentido que me deste por longos minutos, quando comovido, me viste desposar a tua filha ao qual respondi murmurando ao teu ouvido e abraçado a ti - Eu não disse que casava com ela, agora sou seu genro!


Lamentável agora, não te termos mais um bocadinho, junto de nós...





 

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