sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Património singular...

Como em tudo na vida, sempre que analisámos algo, um local, um objecto, uma realidade, um poema, uma pintura; enfim as mais variadíssimas coisas, podemos ter dois tipos de análise, uma análise mais generalista ou uma análise mais profunda, e como em tudo na minha vida, sou um ser de análises profundas, sempre que algo me toque no íntimo e me suscite significativo interesse, ou de análises mais generalistas ou desprendidas de interesse até, sempre que o assunto em mim não desperte significativa curiosidade...ou o ache ignóbil!
 
Não foi o que se passou comigo, quando andava perdido em pensamentos e divagações, pela Rocha, um lugarejo de Lanheses que me agrada percorrer e atentamente observar, pois por ali me parece muito amiúde, que o tempo passa mais lentamente...desde logo pelo silêncio que se sente nas estradas deste lugar, onde muito espaçadamente circula um ou outro veículo automóvel, quer pela ausência de gente nas mesmas ruelas, que normalmente costuma estar encerrada no interior de suas casas, ainda por cima, muito mais agora que chegou de novo o frio, quer pela atmosfera bucólica que reina naquele lugar, com o casario branco dominando a paisagem, misturado com o verde e castanho do arvoredo que ali ocorre no monte das cercanias. Talvez um dos mais silenciosos lugares de Lanheses!
 
Ocorre ali, em pleno centro do lugar da Rocha, fantasmagórica, testemunha eloquente de um passado glorioso, ainda que hoje em dia funcionando no seu interior uma carpintaria, um dos imóveis mais ilustres dos edificados aqui em Lanheses. Não me perguntem nomes, ou quem foi um dia proprietário daquelas paredes ocres, pois não saberei responder, no entanto, naquele dia ao final do tarde os meus olhos se detiveram novamente naqueles maciços de tijolos ocres, onde há muitos anos funcionou uma fábrica de tijolo e pelo que sei, de telha também!
 
 
Olhando aquelas paredes semi-destruídas ainda que erguidas ao alto, orgulhosas do passado que encerram em si, a velha fábrica do tijolo da Rocha, não me passa nunca incólume ao olhar e consequentemente, ao pensamento! Imagino os mil tormentos que trabalhadores e trabalhadoras ali passaram entre quatro paredes, das agruras vividas por causa do trabalho e da míngua que reinava naqueles tempos, rostos e corpos suados, moldando o barro sob altas temperaturas, para que daqueles fornos, em forma de blocos ou de telha, saísse o barro já moldado! Talvez até porventura, você que possa estar a ler estas linhas, tenha lá trabalhado ou tenha familiares que lá tenham trabalhado também. Recorde! Recordar o passado nunca fez mal a ninguém, atendendo que se o valorize devidamente! Mostram-me estas arcaicas e decrepitas paredes, um passado recheado de sucesso, testemunha do labor e empreendedorismo de uma comunidade rural, como o da comunidade lanhesense, um vestígio e ruína históricos, testemunho ainda vivo, por quanto tempo mais não sei, dada a sua decrepitude, de todos os que ali fizeram um pouco daquela que é a história da indústria em Lanheses!

Imagino ao olhar estas paredes, os aldeões, há longos anos atrás, depois do sino da Igreja da aldeia ter soado a trindade matinal, cortando o silêncio sepulcral da madrugada aldeã, abandonarem os seus lares e percorrerem, toldados pelo frio e pela gelada geada típica do Alto-Minho, os caminhos da aldeia em sentido da velha fábrica, na altura, glamorosa, esperando a força dos seus braços para mais um dia de jorna...como era diferente de hoje a vida de então! Parece que o estou a viver, sem contudo, nunca o ter presenciado!
 
 
  
Rainha da Rocha...ou ruína da Rocha!?!
 
 
Um pormenor dos muros em tijolo.
 
 
 
 
 
Hoje em dia tudo é passado e as empresas juntam-se agora, nestes tempos modernos em aglomerados a que damos o pomposo epíteto de "Zona Industrial"; Lanheses tem a sua, para o bem e para o mal, mas as paredes em tijolo ocre da velha fábrica, que um dia fervilharam de vida e quem sabe encerram em si, tormentos e angústias de quem por lá trabalhou, continuam de forma, embora um pouco tosca, hirtas, resistindo à nova zona industrial e ao sabor do lento passar dos tempos, sujeitas aos rigores do clima, não arreando no entanto, ao peso dos anos. Este foi um passado prolífero da industria tradicional lanhesense, onde um dia houve quem projectasse negócio, empregando o povo desta aldeia!
 
 
 
Olhando algo entristecido, por ver como este país trata o seu património; estas paredes me parecem querer dizer - Estamos aqui, salvem-nos, de uma morte mais que anunciada, porque nós somos passado, mas importante legado histórico desta comunidade rural, Lanheses!
 
 
Até quando este património singular aguentará a ruína!?!
 
 
 
 
 

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