segunda-feira, 20 de outubro de 2014

O MOVIMENTO DAS COISAS -UM FILME DE MANUELA SERRA - LANHESES NOS IDOS DE 1979 E 1980





Em 1979, mais precisamente no início do mês de Novembro, quando Portugal ainda vivia os primeiros anos liberto do jugo de uma ditadura opressiva, castrante e mordaz, chegava a Lanheses, uma jovem mulher com a mente impregnada pelos ideais de uma Europa livre, moderna e próspera, onde estudou na cidade de Bruxelas a mítica arte de gravar em imagens móveis aquilo que a mesma mente lhe dizia para filmar, o cinema! Essa jovem mulher era, e ainda o é, nos dias de hoje, mesmo que completamente alheada do cinema, por desilusão e por causas várias; Portugal ainda cultiva aquele maldito gene de levar as pessoas a desistirem de tudo, ou de quase tudo que queiram, primeiro idealizar e em segundo levar a cabo; essa mulher era Manuela Serra e com ela trazia nesse longínquo ano de 1979 uma câmara de filmar. O seu intuito era o de compor um filme! E levou-o a cabo, mesmo que seis fossem precisos e ultrapassados alguns dissabores, para que a obra se realizasse devidamente.

Esta mulher pertenceu a uma geração de jovens e promissores cineastas, que uma vez mais, mesmo em dias de gozo de plena liberdade conquistada com a revolução de Abril, se viu oprimida em realizar todos os seus sonhos, vitimas de uma classe política que já nos idos de então, dava primazia às questões do foro económico, em detrimento das questões do foro cultural, marca genuinamente nacional e que infelizmente perdura ainda, passados trinta e cinco anos, nos dias de hoje em pleno século XXI.

Manuela Serra chega a Lanheses, vinda de Bruxelas, onde estudou e ali se refugiou "fugindo" (no sentido figurado da expressão) ao seu país e ao seu sistema político, para voltar mal estalou e a Bruxelas chegaram os ecos da revolução e, encontrou em Lanheses, uma sociedade matriarcal, simples e profundamente ruralizada, onde os ecos da prosperidade e desenvolvimento ainda não se tinham feito sentir. As pessoas da comunidade vivam do amanho da terra e daquilo que a mesma lhes dava e eram essas mesmas mulheres o garante e o sustento das famílias que por aqui existiam e ainda existem. No filme "O Movimento das Coisas" através de filmagens do quotidiano de duas famílias lanhesenses, a família Caldas e a família Gomes, se retrata a simplicidade da vida rural, a importância da mulher no seio da família em tempos pautados pela imigração, ou seja, pela ausência dos homens que partiram em busca de melhores condições de vida em terras gaulesas, sendo a aldeia, Lanheses, o grandioso cenário deste filme.

Aclamado como um dos grandes filmes realizados em Portugal, mesmo que nunca tenha sido editado e comercializado, "O Movimento das Coisas", premiado em alguns festivais onde foi projectado e aclamado pelos críticos, mostra acima de tudo naquilo que se poderia ter transformado o cinema português, mas que derivou para os caminhos que hoje pobremente conhecemos, a cultura caminha pelas tortuosas vias da amargura, e para nós lanhesenses, particularmente, mostra o que era esta aldeia há trinta e cinco anos atrás, vista pelo olhar de uma jovem mulher, quando analisado assim de forma tão simples. 

O autor do blogue vê-se na obrigação de postar aqui o filme na integra e pedir ao leitor que o veja com toda atenção, relembre saudosamente, talvez, muitos dos que aparecem em imagens e que já partiram do convívio dos vivos e sobretudo lembre o amigo leitor, uma Lanheses tão diferente daquilo que é nos dias de hoje. As cenas no rio, os juncais, as neblinas matinais, o Largo da Feira, a Missa, o padre, o barqueiro, a construção da ponte sobre o Lima, a desfolhada, o folclore e os lanhesenses, tudo está lá, em imagens animadas para deleite de quem as visualiza!

Caso se comova, não se envergonhe, o cinema e o cineasta, quando o realizam, fazem-no sempre com esse propósito, com o propósito de passar uma mensagem que faça o espectador, simplesmente, sentir...


O autor do blogue encontra, após a sua atenta visualização, durante uma hora e vinte e seis minutos de puro deleite visual, uma palavra para o definir e essa palavra é: FABULOSO!

Não sabe o autor do blogue e desconhece totalmente se Manuela Serra alguma vez voltou a Lanheses, se alguma vez mais, verificou com o seu olhar, naquilo em que esta aldeia se transformou com a chegada do desenvolvimento, do progresso e do inexorável passar dos tempos, no entanto, tem desenvolvido esforços para que esta mulher, nascida em 1948, hoje com sessenta e seis anos, a idade da progenitora de quem estas linhas escreve, disponha um pouco do seu tempo e possa manifestar desejo em voltar, mesmo que já não venha com a câmara na mão ou aquele tipo de câmara e manifeste interesse em visitar Lanheses e conversar com as suas gentes!

Talvez...

4 comentários:

  1. Obrigado Sergio,

    Lanheses da minha infância. memórias!!!

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    1. Grande abraço para a Austrália, Eusébio, em especial para ti e para a tua família!

      Sérgio

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  2. Recordo-me perfeitamente da presença deste grupo de cineastas, em finais da década de 1970, e até me recordo das filmagens efectuadas no cemitério de Lanheses no dia dos Fiéis Defuntos (1 de Novembro).
    Há no entanto acontecimentos que o cérebro vai "apagando", e Manuela Serra caiu no esquecimento!
    O documentário "O Movimento das Coisas" ganhou novamente visibilidade, quando, mais ou menos à três anos assisti no Teatro Sá de Miranda à exibição do documentário "Água-Arriba, Histórias de Barcos e Homens" de Carlos Eduardo Viana. Este documentário tinha inseridas algumas imagens de Manuela Serra, filmadas em Lanheses, mais concretamente no Rio Lima, para o "Movimento das Coisas" - o que me levou a pesquisar quem era esta cineasta e qual a sua obra.
    Este importante documento, que faz parte do nosso património cultural e que o Sérgio colocou e bem no SSVSA, merece ser visto e revisto por todos os lanhesenses, revendo pessoas que já não estão entre nós. Manuela Serra, tal com Caroline B. Brettell, que na mesma altura estava na nossa terra fazendo o seu trabalho de campo e que resultou no importante estudo "Homens que Partem, Mulheres que Esperam", merecem o nosso obrigado e a nossa homenagem!
    Também ao Sérgio Moreira, que, sempre atento, vai divulgando tudo o que de bom se passa (ou passou) na nossa querida terra, obrigado também para ele!
    Fossem todos os "Forasteiros" assim!
    Um abraço amigo.
    Amaro Rocha

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    1. Obrigado pelas suas palavras caro amigo! O filme e a cineasta terão a devida visibilidade, tal como merecem, muito brevemente em Lanheses.

      Para já, mais não posso adiantar!

      Sérgio

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